No final de junho, um Projeto de Lei (PL) que prevê a proibição das chamadas “terapias de conversão” foi apresentado na Assembleia Legislativa da Bahia (ALBA).
A PL./25862/2025, de autoria do deputado estadual Hilton Coelho (PSOL), quer punir indivíduos ou instituições que derem apoio espiritual para pessoas LGBT que querem deixar a homossexualidade, no estado.
Se aprovado, o projeto vai proibir aconselhamento pastoral, cultos, retiros, orações e outras práticas religiosas voltadas para ajudar homossexuais a retornarem ao gênero biológico e viverem a sexualidade bíblica, como os casos de pessoas destransicionadas.
O texto ainda prevê a proibição de internações, cirurgias e uso de medicamentos para alterar a orientação sexual ou identidade de gênero de uma pessoa.
Além disso, o PL estabelece o dia 26 de julho como a data estadual de conscientização e combate às “terapias de conversão”.
A proposta faz parte de uma mobilização nacional liderada pelo deputado Guilherme Cortez (Psol-SP) contra as chamadas “terapias de conversão” através do PL 1495/2023 – em tramitação na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp).
“Este Projeto de Lei tem como objetivo a responsabilização administrativa daqueles que promovam, realizem ou incentivem práticas destinadas a ‘converter ou reparar’ a orientação sexual, a identidade ou a expressão de gênero de qualquer pessoa. Acreditamos na aprovação deste projeto porque ele representa um compromisso político e ético com a liberdade, a dignidade e a igualdade de todas as pessoas”, alegou o deputado Hilton Coelho.
Deputado Hilton Coelho. (Foto: AscomALBA/AgênciaALBA).
Multas e cassação de licenças
A ação prevê punição para quem oferecer apoio espiritual a pessoas da comunidade LGBT que desejam abandonar a homossexualidade, desde sansões administrativas com multas que podem chegar a R$ 450 mil até a cassação da licença de funcionamento para instituições, em casos de reincidência envolvendo menores de 18 anos.
Conforme o texto, as ações puníveis consideradas “terapias de conversão” são:
- Submeter pessoa a tratamento, cirurgia, internação, aplicação indiscriminada de medicação sem consentimento ou prescrição médica; chantagem; castigos e penitências físicas; trabalhos extenuantes e abusivos; aulas ou sessões de aconselhamento; isolamento social; extorsão; cultos; grupos de oração; rituais ou tarefas religiosas e espirituais, destinadas à tentativa de "correção", "mudança" ou "apagamento" de sua orientação sexual, identidade e/ou expressão de gênero.
- Promover ou anunciar tratamento ou serviço destinado à tentativa de "correção", "mudança" ou "apagamento" da orientação sexual, identidade e/ou expressão de gênero de pessoas LGBTQIAP+.
- Obter, direta ou indiretamente, qualquer tipo de vantagem material oriunda de tratamento ou serviço destinado à tentativa de "correção", "mudança" ou "apagamento" da orientação sexual, identidade e/ou expressão de gênero de pessoa LGBTQIAP+.
- Proferir ameaças, chantagem emocional, palestras, aconselhamento, a fim de induzir a "correção", "mudança" ou "apagamento" da orientação sexual, identidade e/ou expressão de gênero de pessoa LGBTQIAP+.
- Promover encontros, retiros, acampamentos, ou qualquer tipo de reunião, aberta ou fechada, que tenha como objetivo a indução de pessoa LGBTQIAP+ a "corrigir", "mudar" ou "apagar" sua orientação sexual, identidade e/ou expressão de gênero.
- Expor ou coagir, a pessoa LGBTQIAP+, em cultos, missas ou sessões religiosas, a assumir sua orientação sexual, identidade e/ou expressão de gênero; bem como aceitar tratamento de "correção".
- Coagir ou obrigar, a pessoa LGBTQIAP+, a desempenhar castigos, se submeter a punições em dinâmicas ou assistir conteúdos que envolvam esforços de "correção" de orientação sexual, identidade e/ou expressão de gênero.
- Solicitar doação de valores ou bens, com o objetivo de proporcionar a repressão ou a tentativa de "correção" da orientação sexual, identidade e/ou expressão de gênero de pessoas LGBTQIAP+.
- Induzir ou conduzir, a pessoa LGBTQIAP+, a tratamento religioso ou de saúde, com o objetivo de tentar "corrigir", "mudar" ou "apagar" sua orientação sexual, identidade e/ou expressão de gênero.
- Prescrever ou induzir o uso de medicamentos psicoativos ou de hormônios como forma de "corrigir", "mudar" ou "apagar" a orientação sexual, identidade e/ou expressão de gênero de pessoa LGBTQIAP+.
De acordo com a proposta, o processo para investigar as infrações acontece após denúncias da vítima, familiares, Organizações Não Governamentais (ONGs) e autoridades.
Risco à liberdade individual
Em entrevista ao Guiame, a advogada Julie Ana Fernandes, especialista em Direito Religioso, afirmou que a Proposta de Lei pode ser um risco à liberdade individual e ao direito de crença.
“A liberdade individual pressupõe o direito do indivíduo de escolher, conforme a sua vontade, como quer viver, por quais valores irá orientar a sua vida, qual crença irá adotar. O exercício da liberdade de escolha depende da existência de alternativas legítimas”, observou ela.
“Qualquer proposta que pretenda deslegitimar a capacidade do indivíduo de tomar decisões espirituais, impedindo a tomada de decisões íntimas e invalidando o seu livre e esclarecido consentimento, poderia violar direitos e garantias fundamentais”, alertou.
Advogada Julie Fernandes. (Foto: Instagram/Dra. Julie Ana Fernandes).
Fernandes observou que, embora o PL apresentado na Bahia, não preveja punição para pessoas que busquem apoio espiritual e conversão da sua sexualidade, o projeto pode ferir a liberdade individual indiretamente.
“Na medida em que pretende proibir quem oferece a referida mudança, poderia, em tese, afetar a autonomia individual”, declarou a doutora.
Julie ainda pontuou que ações discriminatórias que ferem a dignidade humana já são criminalizadas pela legislação brasileira.
Líderes e cristãos punidos
Sobre a possibilidade do PL, caso aprovado, punir líderes religiosos e cristãos que oram e dão apoio espiritual a pessoas que querem por vontade própria deixar a homossexualidade, Julie Fernandes lembrou que o Estado deve respeitar a liberdade religiosa.
“Ao Estado não cabe, pela via judicial ou legislativa, punir a moralidade religiosa, assim como não pode impedir a conversão, mudança de crença, culto, ensino ou aprendizado religioso, de qualquer religião. Tampouco pode direcionar a fiscalização e monitoramento para qualquer religioso ou qualquer instituição religiosa”, afirmou.
A especialista em Direito Religioso destacou que todos, incluindo pessoas LGBT, têm o direito de se converter à religião que desejarem.
“O exercício do direito de crença do indivíduo não pode ser violado, em qualquer hipótese, bem como o seu direito de viver em conformidade com os dogmas de fé adotados”, declarou Julie.
Conforme a advogada, há um risco da liberdade religiosa ser limitada no Brasil, em um contexto onde pautas progressistas ganham espaço.
“Há um risco de reformulação dos limites da liberdade religiosa, em termos preocupantes. Constante judicialização de discursos religiosos, tentativa de desqualificar o modelo de laicidade constitucional, hostilidade contra cristãos, eventuais iniciativas legislativas que possam cercear ou punir o livre exercício religioso, são exemplos de medidas que podem desenhar novos parâmetros para a liberdade religiosa”, comentou.
Em vários países, leis sobre “terapias de conversão” semelhantes têm sido discutidas e aprovadas. No Reino Unido, já é proibido orar e aconselhar homossexuais e transgêneros que querem deixar suas práticas.
Acolhimento a destransicionados
Em abril deste ano, junto com associações médicas e de proteção à infância, o Instituto Brasileiro de Direito e Religião (IBDR), divulgou uma nota apoiando e elogiando a resolução 2.427/25 do Conselho Federal de Medicina (CFM).
A nova resolução reconheceu a realidade de pessoas destransicionadas e determinou que elas precisam de acolhimento e cuidados médicos especializados.
“O artigo 8º da resolução prevê o acolhimento e o suporte médico aos pacientes que realizaram as intervenções para transição de gênero e posteriormente se arrependeram. O reconhecimento dessa população restabelece o princípio da justiça, pois os destransicionados também têm o direito à uma assistência médica singular”, afirmou a nota de apoio.
“Esses jovens são a prova de que as intervenções hormonais e cirúrgicas, realizadas em casos de diagnóstico transitório, podem causar danos irreparáveis que necessitarão de cuidados psicológicos e médicos especializados prolongados”, acrescentou.
Publicada por: RBSYS
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